“é quando a fertilidade da camada superficial penetra camadas mais profundas”
A seguir publicamos um artigo da revista Agroecologia-hoje, Ano II – Nº 14 – Maio/Junho de 2002, que permanece atual:
Neutralização da acidez do perfil do solo por resíduos vegetais
Redação: Raquel Souza Mattana (...na época, graduanda, FCA-UNESP, Botucatu)
Artigo baseado em artigo científico dos autores: Mario Miyasawa (IAPAR), Marcos A. Pavan (IAPAR) e Julio Cezar Franchini bolsista CNPq) - encarte técnico da POTAFOS, 92 / dez. 2000
Neste artigo, Agroecologia-hoje traz ao conhecimento dos leitores um assunto bastante novo e que vem de encontro ao anseio de praticar o plantio na palha sem herbicidas, portanto orgânico. É correto não revolver o solo tropical e subtropical. Porém, como corrigir a acidificação das camadas subsuperficiais sem lançar mão do gesso? Os dados apresentados a seguir apontam para uma solução biológica para esta questão
Introdução
A pobreza em bases do material de origem de solos ácidos e as condições climáticas favoráveis ao processo de intemperismo e lixiviação, resultam na baixa saturação por cátions básicos e, consequentemente, no aumento de H e Al nas cargas negativas desses solos.
Com a aplicação de calcário, grande parte do Al e H podem ser neutralizadas, desobstruindo e gerando novas cargas que são ocupadas por Ca e Mg; porém, o uso agrícola prolongado, o constante revolvimento do solo e a baixa incorporação de resíduos vegetais, geram condições favoráveis à degradação da matéria orgânica, responsável por 80% da capacidade de troca catiônica (CTC) dos solos ácidos brasileiros, reduzindo seu potencial produtivo.
A adoção de sistemas de manejo conservacionistas, como o plantio direto, reverte o processo de degradação química, física e biológica dos solos ácidos. Como principal consequência do plantio direto ressalta-se o aumento no teor de matéria orgânica do solo, devido a um ambiente menos oxidativo e ao menor contato dos resíduos vegetais com o solo. Vale ressaltar que a aplicação de resíduos orgânicos na forma de estercos de animais, compostagem e resíduos vegetais tem dado ótimos resultados no aumento de pH.
Estudos com extratos vegetais
Estudos mostraram que a percolação de extratos vegetais pela coluna do solo tem efetiva ação de neutralização da acidez até a camada subsuperficial. Os estratos de nabo forrageiro e tremoço azul são mais eficientes na neutralização da acidez potencial do que do milheto. Os resíduos de adubos verdes apresentam maior capacidade de neutralizar o H+ do que os resíduos de pós-colheita como palha de trigo por exemplo (figura-1).
A capacidade de neutralização da acidez do solo por resíduos vegetais está associada aos seus teores de cátions e ao carbono solúvel, ambos contidos em teores maiores nos resíduos de adubos verdes, tais como: aveia preta, nabo forrageiro, tremoço, leucena, mucunas e crotalárias. Restos de culturas já colhidas e os próprios adubos verdes em estágios mais avançados, têm essa capacidade reduzida devido à queda dos teores de cátions e de carbono solúvel, fenômeno próprio de uma idade fisiológica avançada.
A utilização de resíduos vegetais também é recomendada para a neutralização da alcalinidade dos solos, pois a natureza anfótera da reação desses resíduos, faz com que aumente o pH dos solos ácidos e reduza o pH dos alcalinos.
Forma de ação
A redução de toxidez de Al após a aplicação de resíduos vegetais e de esterco de animais ocorre por 2 processos químicos: de um lado pela hidrolise do devido ao aumento do pH, por outro lado pela complexação do por ácidos orgânicos, presentes na solução de solos ácidos com resíduos vegetais em cobertura. Estes ácidos podem variar dependendo do local, sendo a quantidade e a diversidade muito menor nos solos cultivados que sob florestas.
Graus de neutralização da acidez
O grau de neutralização de toxidez de Al pelos ácidos orgânicos é determinado pela estabilidade do complexo orgânico formado, podendo ser classificados, com relação à capacidade de amenização de Al tóxico para as plantas, como forte, moderado e fraco. Os principais compostos são os ácidos cítrico, oxálico, tantárico málico, húmico, malônico, salicílico, entre outros.
Características dos ácidos orgânicos (C-solúvel)
Os ácidos orgânicos possuem características específicas responsáveis pela neutralização da toxidez do Al, destacando-se entre elas
· constante de estabilidade (pK) dos complexos Al-L (L=ligantes orgânicos).
· Moléculas de ácidos orgânicos formando anéis com 5 a 6 átomos, incluindo o Al, apresentam maior estabilidade.
Além de toxidez de Al, a manutenção de resíduos vegetais na superfície do solo ácido reduz também a toxidez de manganês diminuindo sua solubilidade no perfil do solo.
Resultados de alguns experimentos
Em estudos feitos com a aplicação de calcário em LVE (latossolo vermelho escuro), sob plantio direto e com culturas perenes, foram observados a elevação do pH, a diminuição do Al trocável e o aumento dos teores de Ca e Mg na camada superficial, até 80 cm de profundidade e após 18 meses de aplicação.
Em anos recentes vários trabalhos relacionados ao transporte de Ca no solo têm mostrado a mobilização do Ca para o subsolo na forma orgânica de fulvato–Ca, o qual é extraído do esterco de aves, tendo observado o aumento do teor de Ca na camada superficial do solo.
A intensidade das alterações químicas assim promovidas no solo, como a mobilização de cátions, o aumento do pH e a imobilização do Al, depende não só da quantidade, mas também da qualidade dos resíduos utilizados,
que se alteram conforme a idade, o clima e o manejo dos resíduos vegetais.
Manejo da massa verde
A época do manejo dos resíduos vegetais de adubos verdes depende do objetivo do agricultor, caso queira aumentar o transporte de Ca e Mg e neutralizar a acidez da camada superficial, o resíduo deve ser manejado antes do florescimento, pois nesta época haverá diminuição das substâncias responsáveis pelo transporte dos cátions e neutralização do H+.
A permanência da cobertura de resíduos vegetais no solo reduz a taxa de decomposição pelos microorganismos, permitindo que as substâncias orgânicas contidas nos resíduos entrem em ação logo nas primeiras chuvas, que irão solubilizar estas substâncias para que reajam com os cátions e o hidrogênio do solo.
Vale lembrar que o manejo adequado dos resíduos vegetais na agricultura aumenta sua produtividade, reduz o input de insumos, e sobretudo, diminui a contaminação ambiental, gerando alimentos mais saudáveis.
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