Fundamentos dos quebra-ventos (uma introdução)
1. Introdução aos QV
Estamos falando na pratica de cortar a força do vento por fileiras de árvores, que transformam o vento em brisa, reduzindo seus efeitos negativos sobre as lavouras, os pomares e as hortas. Aqui uma fileira de casuarinas protegendo um pomar:
Trata-se de uma prática antiga, global, muito utilizada em regiões abertas, açoitadas pelo vento, com pouca vegetação arbórea remanescente e onde o agricultor percebe rapidamente as vantagens: o vento que passa a barreira é mais fraco. Por isso as árvores e os arbustos são protagonistas na proteção aos cultivos.
Por quais razões podemos dizer que um bom quebra-vento poderá salvar colheitas? Ou que ele equivale a 1/3 de uma irrigação suplementar? São questões que precisam ser respondidas de olho nos efeitos fisiológicos da redução do vento sobre uma lavoura. Questões tão reais quanto a falta de fertilidade no solo.
É preciso conhecer um pouco mais de fisiologia vegetal para entender como se dá o beneficio na cultura comercial. Entender por que a brisa é benéfica, mas o vento e o vento forte não são. Que os prejuízos do vento não são apenas físicos: ramos e galhos quebrados em frutíferas (caso clássico em mangueiras). Os prejuízos fisiológicos são bem maiores, tirando boa parte da produtividade e/ou aumentando os custos de irrigação; até levando à quebra da colheita.
2. Na prática, como são feitos os QV?
Como o vento pode soprar de qualquer direção, quebra-ventos são instalados pelos 4 lados, rodeando as lavouras, aproveitando-se a beirada de caminhos, estradas e o encontro de lavouras com florestas, sejam plantadas ou naturais. É muito comum aproveitar o plantio de mata-ciliar como um dos 4 lados de um quebra-vento. Ou mesmo um bloco de eucalipto, de seringueira, ou outra exploração florestal.
Veja duas figuras, adaptadas de Leal, Alex Carneiro, 1986
O importante é entender que, ao rodear uma lavoura de faixas arbóreas quebra-vento, estamos contendo um fator anti-produtivo imperceptível e sorrateiro. O vento sempre está lá, seja qual for a sua direção, ressecando a lavoura, mas como ninguém percebe, não damos o devido valor aos recursos de sua contenção.
3. Grandezas que não se vê
É comum enxergarmos com nitidez todo movimento físico & os extremos:
- Ventania forte, levantando pó e dobrando a copa das árvores (danos mecânicos).
- Chuvas/irrigação que equilibram o balanço hídrico pelo reabastecimento de água.
Porém, existe um fluxo de fluidos no sistema agrícola que é invisível ao olho nu, criando dificuldade inicial, para ser apreendido, mensurado e avaliado. Como aceitar sem enxergar diretamente? Que existam e sejam determinantes os seguintes fluxos:
a) Fluxos ascendente/descendente da seiva bruta/elaborada de todas as
plantas.
b) Transpiração = vapor d’água saindo de dezenas de estômatos em cada folha
verde.
c) Evaporação = água que se perde, do solo direto para atmosfera, sem
transpirar. d Vento ressecante (seca o sistema solo-planta) = atua dia e
noite, subtraindo água.
e). Água disponível no solo = se minguar, irá estrangular a água transpirada. Sobre como incrementar a capacidade de retenção de água (CRA) de um
solo haverá outro texto especifico, que será publicado assim que possível.
4 - Quebra-ventos vazado é melhor! 40% / 60%
Quem diria? Hoje sabemos que uma fileira de árvores vazada é mais eficiente do que uma fileira compacta. Ao redor de 50% de brechas na fileira, reduz a velocidade do vento sem criar turbulências, como faria uma fileira compacta. Como a copa de árvores ocupa um volume muito dinâmico, podemos aceitar variações do 50% / 50%, tal como 40%/60% ou do contrario, 60%/40%. No limite, 70%/30% ou 30%/70% são aceitáveis.
5 . Fisiologia básica: a planta inteira, Copa & Raiz
Toda planta é autótrofa. Ela vive de fazer fotossíntese, de gerar assimilados (açúcares e aminoácidos) nos cloroplastos de seu parênquima foliar. Por isso o processo também é chamado de assimilação. Com toda clareza, o processo nutricional que forma todos órgãos anatômicos da planta, é a fotossíntese. É dela que derivam os componentes básicos: açucares e aminoácidos (carboidratos e proteínas, posteriormente).
Eles circulam pela planta toda, pelos canais do Floema, nutrindo os tecidos vivos. Conforme as necessidades de cada órgão, transformam-se em proteínas, em substancias de armazenamento, como amido e ácidos graxos, substancias estruturais, como hemicelulose, celulose, até mesmo em lignina e substancias de múltiplas funções secundárias, como pigmentos, fito-alexinas e compostos aromatizantes.
Todos os órgãos da planta são alimentados por compostos orgânicos, até mesmo a raiz, a flor e o fruto e suas sementes: serão enchidos por carboidratos e proteínas.
A chamada “nutrição vinda do solo, pela raiz” é complementar à nutrição pela fotossíntese, fornecendo água e nutrientes minerais (seiva bruta) como componentes essenciais da fotossíntese e de toda fisiologia. Para cumprir seu papel, a raiz recebe da copa a seiva elaborada, formando seus tecidos e mantendo ativa toda sua fisiologia heterótrofa. Isso mesmo! Raízes não fazem fotossíntese e respiram, como se fossem um animal.
Se comermos uma saborosa banana, doce e macia, cheia de açúcares, amido e fibras, estes compostos são resultado direto da fotossíntese, assessorada sim pelos minerais trazidos por meio da raiz, que atuam como componentes raros, ou cofatores, na biossíntese das substancias orgânicas. Banana com banana dá uma penca. Penca com penca dá um cacho. E os cachos somados resultam na produtividade do bananal.
Toda produtividade agrícola tem dois pais: a fertilidade de solos e a regularidade fotossintética. Não podemos considerar apenas um dos fatores e achar que fizemos o suficiente para garantir a produção. Ampliar nosso olhar, cuidar da planta toda.
6. O que isso tem a ver com os quebra-ventos?
Quebra-ventos protegem e favorecem a fotossíntese:
- Primeiro, pela economia de água, reduzindo a porção evaporada do solo.
- Segundo, evitando o fechamento dos estômatos nas rajadas de vento.
- Terceiro, ao encurtar os períodos de restrição hídrica, fazer água do solo “render”.
7. Que altura o QV deve ter?
Considerando:
- Altura média da fileira de árvores = H.
- Que o efeito quebra-ventos reduz muito à distância >> 8 vezes sua altura.
Calculo simplificado:
Fileira de casuarinas tem em media 10 metros de altura. O efeito redutor efetivo da velocidade do vento se estende até 10 x 8 = 80 metros a partir do tronco das árvores.
Resposta: se 80m entre fileiras de quebra-vento são suficientes, então a casuarina com seus 10m de altura é adequada para proteger aquele vão. Calculo com folga.
8. De quanto é a redução da velocidade do vento?
A capacidade de reduzir o vento depende de dois fatores maiores:
- da distância que uma determinada parte da lavoura está do quebra-vento.
- da configuração da fileira quebra-vento, da correta proporção volumes/vazio.
Veja três figuras adaptadas de Leal, Alex Carneiro, 1986:
Na figura abaixo, destaque para o fator “densidade do conjunto de copas”. Veja como a linha “C”, com o conjunto das copas moderadamente denso (portanto moderadamente permeável), obtém a maior redução da velocidade do vento:
Cálculo completo, para distanciamento entre fileiras:
Considerando linha C , “todos os níveis moderadamente densos”, a distancia de: Sotavento: (“rio abaixo”): 8xH uma redução de 50% da velocidade original ou mais.
Barlavento: (“rio acima”): 2xH uma redução de 50% da velocidade original ou mais. Somados, resulta o valor de distancia recomendada entre faixas florestais de 10xH
9. Um depoimento pessoal
Eu mesmo demorei muito para entender e reconhecer o valor dos quebra-ventos. Quando me formei agrônomo, eles pareciam uma “desnecessidade”. Fazer para que?? Demorou para cair a minha ficha: o que me ajudou a construir uma nova visão real da fisiologia vegetal, foram as experiencias com irrigação. Foi a irrigação que me conduziu à transpiração, aos estômatos e à fotossíntese resultante.
10. Os maiores saltos de produtividade são pela irrigação
Recém formado, passei pelo Maranhão e soube que a cultura do arroz saltava de uma produtividade (sequeiro) de 1.600 kg/há para uma produtividade (inundado) de 5.000 kg/há, mantendo-se o mesmo clima, o mesmo solo e adubação quase zero.
Simplesmente por que as plantas podiam transpirar permanentemente e fazer fotossíntese desinibidamente.
Volkmann: Arroz biodinâmico
em tabuleiros alagados, na Fazenda Capão Alto das Criúvas, no RS.
De forma semelhante, em outras culturas, os maiores ganhos de produtividade também são obtidos pela irrigação. No tomate a produtividade sobe, do sequeiro para o irrigado, de 1,5 para 6 Kg/m2. No cacau, o irrigado pode produzir 200 arrobas / ha, contra 40 ou 50 do sequeiro. São muitas as culturas que respondem favoravelmente ao aumento da disponibilidade de água, especialmente em clima tropical.
Sacramentando o fator “disponibilidade de água para transpiração” como fator a definir as pequenas produtividades diárias, que ao longo do ciclo irão gerar a “quantia de assimilados gerados pela fotossíntese” = produtividade na colheita.
A irrigação é atuante ao longo de todo ciclo da cultura, dia após dia. Uma vez formada, graças ao bom clima, à época adequada e graças também à fertilidade de solo, a copa “se mantem funcionando” enquanto houver água disponível para transpirar!
11. Fatores concorrentes/impacto da irrigação
Sim, sabemos também, o quanto novas tecnologias de adubação e melhoramento genético podem multiplicar a produtividade. Por isso temos que ter absoluta clareza:
Mantidos os outros fatores constantes, a irrigação (o quebra-vento também!) será tão mais impactante quanto menores e/ou irregulares forem as chuvas!
12. Toda água transpirada vem de um saldo!
Saldo transpirado = água no solo (chuvas, irriga) – perdas de água (evaporação)
“fatores predominantes que geram as perdas: calor (sol) e vento (intensidade)”.
Toda lavoura é um sistema aberto, com entradas e saídas de água. Quando ocorre uma estiagem, significa que o saldo é negativo, está saindo mais água do que entrando, sobrando nada ou pouco para transpiração/fotossíntese.
Sintomas evidentes da estiagem (stress hídrico):
a) No solo: pela abertura de fendas, o solo fica seco e gretado (quando é
argiloso).
b) Nas folhas das culturas e das espontâneas, que ficam encrespadas,
enroladas, buscando reduzir ativamente a transpiração em momentos
agudos de déficit hídrico. Déficit hídrico cultura = perda de água por
transpiração >> que água absorvida do solo.
Estômatos: dezenas de poros em cada folha
Por onde a planta libera a água que absorveu? Em cada folha existem dezenas de orifícios, chamadas de estômatos. É por onde a folha troca seus gases: primeiro a água em forma de vapor e depois o oxigênio (O2) e dióxido de carbono (CO2). Detalhe: se não houver água para liberar (estiagem), os estômatos se fecham e a assimilação se estanca. Começam os prejuízos da estiagem. Perdas de produtividade.
Farta assimilação decorrente da suficiência de água:
Se, em seguida, chover uma quantidade suficiente para reabastecer o solo de água e os sintomas da estiagem no solo e na planta desaparecerem, o ciclo da cultura continuará: teremos, por um tempo, suficiência de água para transpiração e abertura dos estômatos, portanto a troca de gases, notadamente a inspiração de CO2, “tijolinho” dos assimilados.
Até a chegada de nova estiagem, estancando tudo novamente. Desta forma, a irregularidade climática nos obriga a considerar os quebra-ventos.
13. Limitações da Irrigação
Quando irrigamos uma cultura, mantemos o saldo positivo “por entradas seguidas”, condução forçada de água ao cultivo econômico. Ao irrigar, o foco está na adição.
Irrigação não melhora as perdas de água, a subtração de água perdida pela ação ressecadora do vento, por isso ela é somente parte da solução.
“a irrigação atua somente pela adição”
14. Quebra-ventos reduz a subtração = o saldo sobe!
A tarefa de reduzir a porção de água perdida para evaporação e de proteger a fotossíntese a campo aberto, é do sistema de quebra-ventos, tornando-se protagonista na sustentação da produtividade de cada lavoura protegida. Como calculo genérico, veja o balanço apresentado por Leal, Alex Carneiro, 1986:
15. Objeções comuns à instalação de QV
Perda de área
De fato, as faixas QV ocupam uma certa área que poderia ser ocupada pela cultura comercial. Mas os ganhos na lavoura com a presença do QV (entre 20 e 40%, mas crescentes) são muito superiores a estas perdas (ao redor de 7%).
Quando irrigamos não precisamos de QV
Do contrário, ganhamos um motivo a mais para instalar as faixas QV, pois os custos de energia (elétrica, combustíveis) são altos e deveriam ser reduzidos: o QV permite dilatar o turno de rega, de aproximadamente 6 x por semana para 3 a 4 x por semana.
Dificuldades de manejo das árvores
Se um dia tiver que derrubar árvores do QV, a derrubada poderia prejudicar a lavoura. Argumento que se desfaz com bom planejamento: o manejo será feito na entre-safra.
16. Critérios para escolha de espécies para QV
A tarefa de escolher as espécies adequadas para compor um quebra-vento, precisa equacionar alguns critérios básicos, necessários ao bom andamento do investimento:
a) Espécies exóticas: são preferíveis, pois não estão sujeitas às restrições das
nativas.
b) Altura da árvore adulta: fundamental para ser ajustada com a distância
entre faixas.
c) Volume de copa final: é determinante para preencher o critério “barreira
vazada”.
d) Velocidade de crescimento: importante para os 1os anos. Quando o QV for
feito de duas ou mais espécies, ao menos uma deveria ser de crescimento
rápido.
e) Valor econômico: o aproveitamento econômico das faixas QV é um critério
importante para despertar o interesse pela prática. Facilidade de formar
mudas.
17. Espécies frequentemente utilizadas
Australianas:
- Casuarina equisetifolia
- Grevilha robusta
- Eucaliptus spp.
Indianas:
- Jambolão, Syzygium cumini
- Jaqueira, Artocarpus heterophyllus
Centro-americanas:
- Abacate, Persea americana
- Pinus spp.
E muitas outras!
18. Faixas QV produtoras de MRF
Quando as faixas arbóreas são concebidas para serem fornecedoras do adubo regenerativo MRF = madeira rameal fragmentada, a utilidade delas redobra. Os benefícios da MRF poderão ser pesquisados na sub-aba “fertilidade plena” deste site.
Policultivos
Ainda podemos cultivar diversos cultivos econômicos abaixo das copas das árvores do QV, tal como café, frutíferas exóticas (tangerinas, limões, outras), mandioca, quiabo, rosela, maracujá, mostarda, aboboras, milho verde e muitos outros. Tal disposição melhora ainda mais a noção de utilidade das faixas.
O pomar que virou QV
Do contrario, podemos planejar assim: se um sitio tiver a intensão de plantar um pomar de abacate com 1.200 pés, este podem ser plantados pela maneira tradicional, em bloco, ou podem ser distribuídos em fileiras, ao redor de outros cultivos, como QV.
A capineira (ou legumineira) que virou QV
De modo semelhante, se um sitio produtor de hortaliças, precisa do capim elefante como forragem (ou de guandu para incrementar a ração proteica) para os seus animais, poderá fazer quadras pequenas, 35 x 35m, cercadas de fileiras de capim elefante (ou de guandu), fazendo dupla função: forragem para entressafra dos animais e função quebra-vento para hortaliças.
19. Fechamento
Espero ter elucidado a necessidade fisiológica dos quebra-ventos. Com a evolução das instalações a campo, novos artigos serão publicados por aqui. Afinal, estamos numa cruzada contra o algoz “falta de chuvas”. Chegou a hora dos QV mostrarem seu valor.
Itápolis, dezembro de 2022,
Manfred Osterroht
Projeto ART
BIBLIOGRAFIA:
Sobre quebra-ventos
Leal, Alex Carneiro, 1986, Quebra Ventos Arbóreos, Aspectos Fundamentais de uma Técnica altamente promissora, IAPAR, Londrina, PR.
Sobre transpiração:
Sobre Estômatos
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